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Mercado de carbono: entenda o que é e como funciona

Mercado de Carbono | Pixabay

Série de reportagens do Agro Estadão mergulha no universo do mercado de carbono e mostra as oportunidades para o produtor rural brasileiro

O mercado de carbono é um conceito que vem ganhando fama nos últimos anos e que movimentou, somente em 2023, cerca de US$ 75 bilhões no mundo. Porém, no Brasil, a dinâmica começa a dar os primeiros passos e se mostra como uma oportunidade para o produtor rural.

O que é mercado de carbono?

O conceito do mercado de carbono começou a ser trabalhado dentro das convenções climáticas. O Protocolo de Kyoto, de 1997, lançou as bases dessa dinâmica econômica que depois foi evoluindo, especialmente, como o Acordo de Paris, em 2014.

A diretora de Regulação da Biomas – que atua na formatação de projetos com produtores rurais – explica que a ideia era oferecer um instrumento de financiamento que ajudasse na redução de emissão de carbono. “No fundo, o mercado de carbono é um instrumento de financiamento, porque ele leva recurso financeiro, que não chegaria naquele lugar, se não fosse a venda do crédito”, define Natália Renteria.

Ela ressalta que há dois mercados que têm atuações diferentes, mas tratam de crédito de carbono.

Mercado regulado –  Esse é o mercado no qual países que têm suas obrigações de redução das emissões de carbono regulam as suas economias para atingir essas metas compromissadas internacionalmente. Por isso, as reduções das emissões de carbono são impositivas, ou seja, há obrigações legais estabelecidas por cada país. Nesse mercado, a dinâmica para reduzir passa mais por investir em tecnologias que tornam a produção industrial menos emissora de carbono.

Mercado voluntário – Na dinâmica desse mercado, as empresas assumem compromissos próprios de forma voluntária, ou seja, não é uma imposição legal, determinada por lei. Com isso, elas compram créditos gerados por projetos de carbono feitos por produtores rurais para bater os objetivos estipulados. É aqui que o produtor se insere.

Além disso, o mercado voluntário é mais recente, já que ganhou força a partir do Acordo de Paris e, por isso, tem maior potencial de crescimento. Outro ponto é que, apesar de não depender do mercado regulado, as regras de comercialização de lá podem balizar este mercado.

Por que produtores rurais não participam diretamente do mercado regulado de carbono?

Como explica a diretora da Biomas, o surgimento do mercado regulado de carbono ainda precisa avançar em alguns pontos, como a forma de medir as emissões de fontes não estacionárias, como é o caso da agropecuária.

Por exemplo, uma empresa de mineração ou petroquímica tem uma estrutura fixa onde é possível medir essas emissões de forma mais simples. Já no caso de uma fazenda de bovinos, esse cálculo é questionado porque há uma carência de metodologias para fazer essa medição de forma segura, confiável, exata e consensual.

“O Agro tem um perfil de emissão distinto, então a tecnologia para medir também tem que ser distinta. Eu não posso utilizar a mesma fórmula que eu uso para fontes estacionárias (indústrias) para fontes não estacionárias. Existe uma explicação técnica e não é uma questão só do Brasil. O mundo inteiro se deparou com essa dificuldade de trazer o Agro para esse mercado regulado, porque a lógica desse mercado foi feita para atender outro tipo de emissão. Mas isso não quer dizer que no futuro se desenvolva um mercado regulado para o Agro, mas adaptado às condições do campo”, pontua Renteria.

Outra questão dentro do mercado regulado de carbono é a venda dos créditos de carbono dos produtores rurais. O que se pretende no Brasil é que uma parte pequena dos créditos de carbono gerados pelos produtores no mercado voluntário seja utilizado dentro do ecossistema do mercado regulado. Isto é, que tenha uma janela pequena em que os dois mercados possam “trocar” os créditos de carbono. A justificativa é que isso vai obrigar as empresas a buscarem formas de reduzir as emissões dentro dos processos produtivos. Caso não houvesse essa limitação, as empresas poderiam somente buscar os créditos no mercado voluntário e não se esforçarem para reduzirem as emissões em suas próprias produções.

Apesar da propriedade rural não ser um dos atores do mercado de carbono, as agroindústrias devem ser incluídas nesse mercado regulado. Por isso, a participação do produtor acaba sendo de forma indireta. Além disso, o produtor poderá participar através de uma abordagem in setting – dentro da cadeia produtiva.

Quais os tipos de crédito de carbono?

De acordo com a especialista, a classificação do crédito de carbono leva em consideração pelo menos três aspectos, que se complementam e funcionam em etapas: “espécie”, tipo e qualidade.

Espécies

Existem duas “espécies” de crédito de carbono.

Crédito de remoção – quando há a retirada do carbono que já foi emitido, ou seja, que está na atmosfera;
Crédito de mitigação – quando se evita a emissão desse carbono para a atmosfera.

Tipos

Os tipos desse crédito estão ligados à forma como são gerados e à aplicação de metodologias, ou seja, de “receitas de bolo” para fazer essa geração. Esse passo a passo prático pode ser tanto para mitigação quanto para remoção.

Segundo Renteria, há mais de 200 tipos de metodologias, ou seja, tipos no mundo. Ela cita dois que são mais utilizados na perspectiva do produtor rural.

VC 0047: é um crédito considerado florestal e de remoção, pois a metodologia é de restauro de áreas florestais – reservas legais, por exemplo.
VN 0042 : está relacionado ao manejo do solo, a melhoria da produção e da produtividade, em produzir mais com menos, e é um crédito de mitigação.

Qualidade

Depois que o produtor escolhe o tipo de crédito, ele pode acoplar ao projeto os chamados cobenefícios, que são práticas ou resultados obtidos que vão além da questão do carbono. Podem ser, por exemplo, maior controle de água ou impacto social ou ambos.

“Um exemplo seria um [projeto de] crédito de carbono que vai fazer um restauro florestal de áreas degradadas para pequenos agricultores que tem um déficit de reserva legal. Isso tem um aspecto social importante, porque você vai demonstrar que ajudou pequenos produtores”, exemplifica Renteria.

Não há níveis de qualidade bem estabelecidos, porém é certo que um projeto de geração de créditos de carbono que tenha dois cobenefícios acoplados é de maior qualidade do que o que tem apenas um e que, por sua vez, é de mais qualidade do que o que não tem nenhum.

Na visão mais econômica, quanto mais qualidade o projeto tem, mais valiosos são os créditos gerados por ele. Uma tonelada de dióxido de carbono (CO²) atualmente pode custar até US$ 50 dependendo dos cobenefícios que acompanham o crédito.

Como funciona o mercado de carbono?

Diferente de commodities, os créditos de carbono não têm uma bolsa de negociação. Especialmente no mercado voluntário, o funcionamento passa também pelo sentido reputacional, como explica a diretora da Biomas.

Diretora da Biomas, Natália Renteria, acredita que o mercado de carbono ainda vai avançar nos próximos anos. Foto: Biomas/Divulgação

“É um mercado reputacional, porque quem compra o crédito de carbono compra para mostrar que ele está fazendo direito. Então, quanto mais bonito o projeto, mais valor tem o crédito”, afirma. A busca entre vendedor e comprador acontece muito mais no inter-relacionamento entre os atores desse mercado (veja abaixo).

Além disso, a lógica desse mercado funciona por projetos, isto é, se constrói um projeto com alguns parâmetros a serem observados com a intenção de ao final obter os créditos de carbono. E cada projeto costuma ser de longo prazo, de 30 a 40 anos.

A medição desses resultados é realizada a cada três ou cinco anos, que são os momentos das vendas dos créditos de carbono. Isso acontece, porque a evolução é mais perceptível e passível de medição em janelas temporais maiores. Por exemplo, um projeto florestal que trata de carbono removido vai calcular a captura do carbono a partir do crescimento das árvores. Além disso, esse processo para certificar e auditar envolve custos, e fazer anualmente pode tornar mais caro.

Quem são os agentes do mercado?
Apesar do desenvolvimento constante do mercado voluntário e também das regras de comercialização estarem suscetíveis a mudanças com a instauração do mercado regulado, atualmente, a especialistas aponta os principais agentes desse mercado no Brasil:

“É um mercado reputacional, porque quem compra o crédito de carbono compra para mostrar que ele está fazendo direito. Então, quanto mais bonito o projeto, mais valor tem o crédito”, afirma. A busca entre vendedor e comprador acontece muito mais no inter-relacionamento entre os atores desse mercado (veja abaixo).

Além disso, a lógica desse mercado funciona por projetos, isto é, se constrói um projeto com alguns parâmetros a serem observados com a intenção de ao final obter os créditos de carbono. E cada projeto costuma ser de longo prazo, de 30 a 40 anos.

A medição desses resultados é realizada a cada três ou cinco anos, que são os momentos das vendas dos créditos de carbono. Isso acontece, porque a evolução é mais perceptível e passível de medição em janelas temporais maiores. Por exemplo, um projeto florestal que trata de carbono removido vai calcular a captura do carbono a partir do crescimento das árvores. Além disso, esse processo para certificar e auditar envolve custos, e fazer anualmente pode tornar mais caro.

Quem são os agentes do mercado?

Apesar do desenvolvimento constante do mercado voluntário e também das regras de comercialização estarem suscetíveis a mudanças com a instauração do mercado regulado, atualmente, a especialistas aponta os principais agentes desse mercado no Brasil:

  • Desenvolvedor – é o responsável pelo planejamento, pelo design do projeto. É ele quem escolhe a metodologia que vai ser melhor para aquela propriedade onde será realizada a geração de carbono. Ele também ajuda o produtor na implementação do projeto e, conforme os passos vão sendo feitos, apresenta essas informações para um outro agente, as certificadoras.
  • Produtor rural – é o proprietário do local onde o projeto será desenvolvido. Dependendo do plano, ele também será o executor, como nos casos em que os créditos de mitigação envolvem o manejo do solo.
  • Certificadora – trata-se de uma empresa que vai atestar e certificar que o projeto cumpre todos os elementos que foram propostos e alcançou os objetivos e a geração dos créditos de carbono. Elas não devem ter relação direta (societária por exemplo) com as desenvolvedoras.
  • Auditorias – é um terceiro verificador no processo, que vai fazer outra reanálise do projeto e da certificação. Também devem ser feitas por empresas que não estão ligadas aos desenvolvedores ou às certificadoras.
  • Empresa compradora – ela paga por todo o processo e para quem se destina o crédito de carbono gerado. No momento da busca por créditos de carbono, a empresa pode escolher por projetos de maior ou menor qualidade ou até mesmo fazer encomenda para as desenvolvedoras de um projeto com características próprias.

No caso do mercado regulado, o Estado também atua, determinando as regras desse ecossistema e impondo as metas para cada setor. Além desses, há uma outra figura em ambos os mercados que é o intermediador. Ele faz a ponte entre a empresa compradora e o desenvolvedor. Mas o comum é que o desenvolvedor faça também a intermediação, isto é, a venda desse crédito gerado.

Fonte: Agro Estadão